AULA 01 – SESSÃO DE DEBATES – Curso “Espiritismo e Teoria Social”

INTROITO
Bom dia a todos e a todas.
Bem, inicialmente, eu gostaria de agradecer a cada um e a cada uma de vocês o privilégio de estar aqui, nessas condições, na condição de quem reparte reflexões que tenho formulado devagar, ao longo destes últimos trinta anos. Muitos aqui são amigos de longa data, por quem eu tenho um afeto muito grande e uma enorme admiração, pois são denodados trabalhadores do espiritismo brasileiro, vários com décadas de dedicação. Obrigado mesmo, pessoal.
Quero também agradecer publicamente ao coletivo Cultura Espírita Livre Pensar, que me solicitou a formulação deste curso, nas pessoas do Saulo Albach, do Ewerton e da Delphine. Espero que a pequena contribuição que eu tenho para oferecer seja à altura do esforço que este grupo fez para montar a estrutura e viabilizar as condições de oferta desses encontros. O PPG Ciências da Religião da PUC, em nome do qual eu compareço aqui, é somente a bandeira desse curso, conferindo a ele o status de um projeto de extensão de um programa de pós-graduação nível 5, da Capes.
Cumprimento este PPG na pessoa do meu supervisionando de pós-doutorado, Gismair Teixeira, bem como de meu ex-orientando de doutorado, Ricardo Delgado, que é também professor do curso de filosofia da UFG. Devo também agradecer aos meus pares, colegas professores desse Programa, embora ausentes, por terem, por unanimidade, aprovado este projeto e permitido legitimá-lo como um curso de caráter universitário.
Sou grato também aos colegas da UFG, especialmente do Projeto Religare, de Comunicação e Religiosidade, em nome da profa. Ângela Moraes, que o coordena, amiga de quase 40 anos e colega nesta Universidade. Aos amigos da Aephus, a Associação Espírita de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais, na pessoa do admirável Elias Inácio de Moraes, que também conheço há quatro décadas, autor de um livro que ele publicou recentemente e que se tornou referência para meus estudos, o “Contextualizando Kardec”.
Um pouco mais distantes, mas não menos próximos, quero agradecer e cumprimentar os integrantes da Cepa – Associação Internacional, e aí eu terei dificuldade de fazer referência, mas, no mínimo, a um gigante chamado Salomão Benchaya, do Rio Grande do Sul, mas também ao casal Jacira e Mauro Spíndola, de São Paulo, e, em nome desses grandes amigos, a todos os demais. E, por fim, porque eu já estou me demorando demais, aos queridos amigos do grupo CPDoc, na pessoa do seu atual líder, o extraordinário jornalista, historiador e cronista crítico do espiritismo, Wilson Garcia. E, em nome de todas essas personalidades, gostaria que todos e todas presentes se sentissem abraçados, perdoando-me por não ter podido citá-los.Bem, em cumprimento às regras determinadas pelo Cultura Espírita Livre Pensar, vou primeiramente tentar responder às indagações e objeções feitas pelos que optaram por antecipar as dúvidas e comentários, por e-mail. Sou grato a essas pessoas, porque elas me permitiram refletir antes sobre as temáticas levantadas, facilitando assim o desafio que representa para mim defrontar com o espírito crítico de tanta gente qualificada.
Antes, contudo, de responder, gostaria de, muito brevemente, declarar a vocês o que significa para mim este curso, a fim de que vocês fiquem à vontade para o debate. A preparação dos conteúdos dessas oito aulas previstas estão me permitindo finalmente sistematizar reflexões antigas e recentes, que tenho feito sobre o espiritismo, especialmente depois que deixei a militância ativa e resolvi me dedicar exclusivamente à atividade intelectual, na interação com o espiritismo brasileiro, guardando, como interesse principal, os coletivos espíritas progressistas e de esquerda, que, em conjunto com o pesquisador João Damásio, estou pesquisando neste momento.
Entretanto, essa sistematização não possui nenhuma pretensão definitiva. As ideias e análises que apresentei no primeiro vídeo e apresentarei nos próximos são, declaradamente, conteúdos em teste. Um dos amigos próximos, inscrito neste curso, indagou-me ontem se poderia divulgar os vídeos. E a resposta que dei a ele eu repasso para todos e todas: estas aulas ainda não são públicas, mas vocês estão autorizados a repassá-las a pessoas de sua estrita confiança, juntamente com o e-mail do curso, para que possam, mesmo que não podendo comparecer aqui, em razão do limite de vagas, efetuar indagações e críticas. Essa limitação tem uma razão de ser: ideias em teste estão em aprimoramento. Dos debates havidos com vocês, pretendo reformular essas ideias, reposicioná-las se necessário, a fim de, ao final, apresentar uma versão melhorada que, esta sim, possa ser publicada, tornando-se disponível para o público espírita e não espírita em geral.
Vejam vocês, portanto, que neste curso não tenho a expectativa de ensinar, mais do que aprender. E, nesse sentido, colocar em prática o modelo de construção do conhecimento espírita que lhes apresento aqui, fundamentado no critério do consenso intersubjetivo,  cientificamente respaldado.
Em vista disso, gostaria que todos ficassem inteiramente à vontade para indagar, refutar, criticar, sugerir. Não há em mim qualquer pretensão de saber mais nem melhor do que nenhum de vocês, muito pelo contrário. Sei de meus limites e conto com vocês para amadurecer esse pensamento, que, certo ou errado, está oferecido para todos.
Bem, vou parar de perder o tempo curto de nosso encontro, e partir para comentar, tão rapidamente quanto possível, as mensagens que foram enviadas, relativas à primeira videoaula.A respeito das perguntas e refutações, eu gostaria de lhes dizer que, sempre que vocês intervirem nas temáticas abordadas nas videoaulas com antecedência, por e-mail, vocês estarão fazendo uma caridade para comigo, ao me possibilitar meditar e responder com calma e, assim, tentar qualificar o nosso debate. Isso, claro, não significa que não vamos dialogar aqui; mas eu só não garanto a mesma qualidade da resposta.
Eu vou adotar o seguinte método: vou guardar os eventuais comentários elogiosos para mim e tentar sintetizar as indagações e refutações, quando feitas por vários participantes.
Em princípio, a julgar pelas biografias escritas sobre ele, a ideia que nos chega é que era uma pessoa muito rigorosa e séria. Não o vejo, portanto, mentindo a respeito de algo tão pouco relevante… mas, você tem todo o direito de duvidar.
Vamos às perguntas de hoje.

O prof. Cosme França faz uma indagação teórica, sobre a contradição entre o conceito de livre-arbítrio e a ideia de evolução como processo que anda força mesma das coisas. “Ensinam os Espíritos que a alteração das faculdades mentais, por uma causa acidental ou natural constitui o único caso em que o homem se vê privado do livre-arbítrio. Fora disto é sempre senhor de fazer ou não fazer uma coisa”(Instruções práticas sobre a manifestação dos espíritos).
Como tratar essa contradição conceitual, uma vez que o espírito é obrigado a evoluir?
Bem, Cosme, não tenho como te responder em relação à questão da alteração das faculdades mentais. Minha especialidade são as ciências sociais, não entendo o suficiente de psiquiatria, para lhe dizer se essa alteração priva ou não o paciente de livre-arbítrio.
Mas, eu tenho condições de lhe adiantar que não há bases nem na teoria histórica, nem na sociológica, nem na antropológica dos nossos dias para se defender a ideia de evolução como melhoramento contínuo e inevitável. Essa é uma ideia positivista, com a qual as ciências sociais não trabalham mais. Somos, sim, seres em transformação, seja pelas escolhas que fazemos, isto é, pelo livre-arbítrio, seja pelas condições sociais do mundo – e aí eu incluiria as condições reencarnatórias, mediúnicas e espirituais, que percebo igualmente como condições sociais.
Podemos chamar isso de evolução, mas não temos como garantir que toda evolução seja para melhor. Organismos evoluem a óbito. Sociedades evoluem para a extinção.
Teorias científicas falham e são substituídas por outras, e algumas que funcionam produzem bombas e armas sofisticadas com alta tecnologia. Culturas chamadas de primitivas e atrasadas podem ser tecnologicamente pobres e ricas em solidariedade e respeito. Tornamo-nos especialistas em algumas coisas e, para que isso seja possível, não raro deixamos de estudar outras igualmente ou até mais importantes… A dialética da vida não nos permite falar em seres superiores e inferiores, exceto se adotarmos critérios muito restritos de julgamento. Mas, isso é só um tieser, prof. Cosme. Falarei desse assunto numa das aulas deste curso, quando tratar da questão da visão social do espírito que lhes apresentarei. E, aí, poderemos polemizar bem essa temática.
Obrigado por levantá-la.
• O prof. João Carlos Lima da Cruz, do Tocantins, indaga se a doutrina espírita tem uma postura progressista, como defendem alguns companheiros, como a Dora Incontri e o Sérgio Aleixo. Ele se refere a dois sentidos para o adjetivo “progressista”, como orientação política e como posicionamento a respeito de outras formas de progresso (intelectual, econômico, científico, industrial etc). O João quer saber, enfim, minha opinião sobre esse assunto e se podemos encontrar na codificação citações que confirmem ou não esse entendimento
• A querida Jacira Jacinto da Silva, de São Paulo, presidente da Cepa – Associação Espírita Internacional, indaga por que Kardec não enfrentou alguns temas muito relevantes em sua época, como a democracia.
Ao João, eu poderia responder com tranquilidade que, sim, a postura de Allan Kardec é progressista, em qualquer desses sentidos que você se refere. Eu concordo com o Sérgio Aleixo, quando reconhece que Kardec atribuiu o adjetivo “progressista” à  própria doutrina espírita. E eu completaria: não apenas à doutrina espírita, mas àqueles que ele previa que reconheceriam o valor do espiritismo para impulsionar o progresso. Por pelo menos duas vezes, n’A Gênese, Kardec fala de progressistas e retardatários ou retrógrados. Constitui senão uma distorção, uma mudança de sentido, portanto, um espiritismo conservador, como esse que temos no Brasil. Mas, isso tem razões históricas, que, pela extensão dos conteúdos, não tem como eu lhe responder agora, mas sobre as quais eu falarei na terceira aula deste curso.
De toda forma, e já respondendo também a Jacira, eu vejo dificuldade de extrair um projeto político de Allan Kardec. E isso tem, a meu ver, uma razão epistemológica e uma razão teórica, ambas com consequências sociológicas.
A razão epistemológica é que, na época dele, ele não contava nem com uma ciência social, nem uma ciência política, para adentrar com segurança científica essas temáticas. Havia, sim, um debate filosófico iniciado, mas ainda em conflito com vontades e experiências políticas muito fortes, e a França ainda sofria as convulsões políticas derivadas do bonapartismo. Como a sua proposta era apresentar uma ciência nova, ele aparentemente não quis entrar num campo tomado ainda por controvérsias. A razão teórica será algo que tematizarei breve, neste curso, com mais detalhe. É a concepção de espírito que ele forja. Sua preocupação foi fortemente psicológica. O
espiritismo de Kardec é uma espécie de pré-psicologia, no sentido de que surgiu antes das ciências psicológicas e psicanalíticas, com preocupações morais e religiosas. O espaço para o debate social, então, foi pequeno. Eu voltarei a esse assunto brevemente, de forma mais sistematizada.
Essas duas peculiaridades, a meu ver, o handcap de disponibilidade científica e o tom psicologizante e moral do conceito de espírito, não permitiram que ele fizesse da sociedade e da política senão uma ideia superficial. Nas poucas vezes em que ele toca nesse assunto, em alguns capítulos da parte terceira do Livro dos Espíritos, por exemplo, ele formula conceitos ora liberais, ora relacionados ao socialismo utópico. No funcionamento da Societé Parisienne de Etudes Spirites, ele veta o debate de questões políticas, deixando claro o receio para com as controvérsias partidárias e de opinião.
Hoje, o contexto é outro. Razão pela qual, neste curso, vamos, sim, na medida do possível, entrar neste e noutros assuntos relevantes das ciências sociais e políticas.
• A profa. Aida Maris Peres, de Curitiba, que é uma colega pesquisadora, não faz uma pergunta, mas uma refutação muito interessante a algo que eu disse no vídeo. Depois de aceitar minha proposição d que Kardec pode ser considerado um precursor da pesquisa qualitativa e concordar com a fragilidade da exclusão, por Kardec, das informações que ele considerou enganadoras ou vulgares, enxerga no trato dele com os nomes dos médiuns uma questão ética avançada por parte dele.
• O companheiro Saulo Albach, também de Curitiba, indagou a mesma coisa, mas por outra perspectiva: ele pergunta se a excessiva valorização dos médiuns no movimento espírita brasileiro não indica que ele estava certo ao assim proceder.
Aida, obrigado, muito obrigado pela sua objeção. Você não imagina como ela foi importante para me fazer pensar esse ponto do trabalho. Vamos lá.
Sim, na minha visão, Allan Kardec foi um precursor dos métodos qualitativos. E o fez pelos desafios da experiência empírica com a mediunidade, pelo enfrentamento da recusa dos intelectuais de sua época e por uma genial intuição. Mas, não os desenvolveu. Hoje, temos condições muito melhores para isso, mas ainda assim, não o fazemos… o movimento espírita não tem tradição de pesquisa, nem de formação pós-graduada. Forma militantes, não forma intelectuais, nem pesquisadores sociais. Ergue centros espíritas e casas de assistência social, mas não estrutura universidades, nem institutos de pesquisa. Isso, claro, tem razões históricas e ideológicas. O Brasil, especialmente, fez do espiritismo uma religião organizada, que se tornou, com o tempo, tradicional e conservadora. Práticas como ciência social e mediunidade de efeitos intelectuais seriam elementos desarticuladores desse contexto.
Em relação aos nomes dos médiuns, e aí respondendo também ao Saulo, eu peço desculpas a vocês por não ter sido suficientemente claro, ao simplesmente citar o que considerava uma falha metodológica, sem entrar no assunto.
Primeiro, há um debate interessante que poderíamos fazer sobre até que ponto os médiuns podem ser considerados equivalentes aos sujeitos respondentes de uma pesquisa com a técnica de entrevista qualitativa. Vou ser bem sintético nessa análise e, caso não consiga dar conta da complexidade da objeção, podemos retornar ao tema depois. Bem, inicialmente, algo de que não me resta dúvida: os médiuns não são, como pretendeu Kardec, intermediários mecânicos. Eles interferem, uns mais, outros menos, nas mensagens. Aqui, mais do que nunca, vale a máxima do canadense Marshall McLuhan, que referindo-se às tecnologias, proclamou que “o meio é a mensagem”. Médium é gente, não é tecnologia. Logo, o animismo, pessoal, não é uma anomalia ou uma distorção da mediunidade, e sim um fator constitutivo da faculdade mediúnica. Logo, o médium é uma variável altamente relevante numa pesquisa rigorosa.
E é com base nisso que eu faço o esclarecimento que deixei de fazer: a crítica que fiz ao método de Kardec não foi ao anonimato, como prescreve a ética da pesquisa (e não apenas a qualitativa, mas os métodos quanti que lidam com seres humanos também).
Minha crítica foi à omissão da identidade dos médiuns. Os nomes podem, sim, e talvez até, em circunstâncias específicas, devam ser mantidos sob anonimato, mas penso que a identificação deva ser registrada por notações suficientes que permitam a análise de
suas peculiaridades e de sua participação (aí, eu prefiro o termo “participação” ao de “interferência”) nas comunicações. Não se pode, numa pesquisa, deixar de avaliar as variáveis intervenientes relevantes nos resultados.
Quanto à observação do Saulo, em relação aos médiuns excessivamente valorizados da atualidade, eu me permito a uma análise de contexto, exatamente para fugir dos juízos morais, tão próprios dos espíritas. A transformação de médiuns em líderes espirituais ou gurus obedecem a tradições proféticas milenares, que remontam à Antiguidade. A percepção dessas figuras como celebridades, a meu ver, é essa mesma experiência coletiva, nos termos de uma sociedade em midiatização, como a nossa. Esse contexto sócio-midiático sem dúvida deve interferir no processo mediúnico. Mas, a mediunidade, como vocês verão, ao longo deste curso, é um fenômeno social e não apenas bioespiritual. A mediunidade, amigos, tem uma história e se transforma conforme a cultura. Vou tratar disso brevemente, com vocês.
Em princípio, não vejo problemas na mediunidade pública e tenho até algumas críticas ao processo de privatização da mediunidade. Mas, claro, a mediunidade pública deve ser social e politicamente direcionada, para valer a pena. Salvo engano, era o Chico Xavier que dizia que os grandes homens públicos são todos médiuns, de alguma forma (o que me leva a crer que o nosso país hoje sofre de alguns tipos coletivos e políticos de obsessão).
Há riscos? Claro que há. Entretanto, penso que se o nosso olhar sobre a mediunidade for sério e recuperarmos os “efeitos intelectuais” da mediunidade, podemos estabelecer parâmetros mais altos do que são capazes de alcançar a mediunidade de celebração, que não foi conceituada por Kardec, mas nós trataremos dela brevemente.

E, por fim, o companheiro Saulo Albach, também de Curitiba, faz uma indagação interessante sobre a noção de verdade como consenso. Pergunta ele:
como estabelecer consenso entre os espíritas, hoje, tendo em vista a fragmentação do movimento espírita e ainda a falta de interesse na atualização da doutrina, que marca os setores hegemônicos?
Olha, Saulo, sua pergunta é interessante e me dá oportunidade de frisar algo que eu disse no vídeo e que gostaria que ficasse bem claro: a noção de verdade como consenso ou, mais especificamente, o consenso intersubjetivo interexistencial, não é e não tem como ser um método. É um critério de verdade.
Não podemos, em momento algum da nossa experiência histórica ou em qualquer contexto social, pretender produzir uma sociedade do consenso. Só é possível fazer isso com uma ditadura sanguinária e, ainda assim, teríamos a escravidão dos corpos, não das almas e de seus pensamentos.
O dissenso é fundamental e inalienável na experiência social. O espiritismo é e será múltiplo e diverso, para ser rico. Não espero que jamais cheguemos a um espiritismo único, unificado e consensual, sem que algo errado esteja acontecendo com as relações dos espíritas entre si e destes com o conhecimento produzido pela sociedade.
Veja o mal que a ideologia da pureza doutrinária fez ao movimento espírita brasileiro.
Tornou-o uma religião tradicional, conservadora, preconceituosa em relação a quem pensa ou contesta, mesmo que seja tão apaixonada por Kardec quanto eles. Tornou as comunicações mediúnicas intercâmbios absolutamente medíocres, nos quais uma pessoa passa décadas frequentando reuniões mediúnicas e não aprende nada de novo, nem sobre mediunidade. Tornou os médiuns públicos oradores afetados, celebridades devotadas a emocionar multidões e defecar regras morais para os outros, sem nada acrescentar em termos de conhecimento, como é o caso típico de Divaldo Franco.
Não. Consenso é um critério de verdade. É só um modo de compreendermos que não há verdades definitivas ou absolutas e que, por isso, temos que investir na busca de entendimento: entendimento científico, entendimento racional, por meio do qual, quando conseguirmos nos entender sobre algo, consideraremos esse conteúdo uma verdade, até que novo desentendimento nos faça pensar melhor. Na minha próxima aula, Saulo, que estará disponível a vocês no início desta próxima semana, vou tratar disso.
Plínio de Luca.
Nos Prolegômenos de OLE, Kardec escreve: “Este livro é um compêndio dos seus ensinamentos. Foi escrito por ordem e sob ditado dos Espíritos superiores para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, livre dos prejuízos do espírito de sistema.”
1) Sua primeira Aula mostra que não foi livre do espírito de sistema.
2) No livro de Lira Neto, Jorge Luís – Os Livros dos Espíritos – Comparando as várias edições de OLE por Kardec, mostra um escritor cada vez mais fazendo desta obra um trabalho de sua lavra pessoal.
Qual sua análise?
Se você diz “espírito de sistema” denominando, como entendo que Kardec a denominou, conjunto de ideias ou crenças pressupostas, não, não há aqui espírito de sistema. O método que tenho utilizado é fazer correlações entre postulados espíritas e aqueles das ciências sociais, começando pela epistemologia e o método e tentando chegar à teoria. Tanto que este curso, para mim, não tem uma finalidade estritamente pedagógica: especialmente para mim é sobretudo um teste da interposição de posições científicas na área de ciências sociais a princípios da mentalidade espírita. Eis porque pedi a vocês que não tornem ainda públicos os meus vídeos.
Agora, quando você fala de trabalho de lavra pessoal, aí sim. Assumo a inteira responsabilidade pelas formulações e teses contidas neste curso. Mas, considero que isso também ocorreu com Kardec. Uma leitura simples das obras básicas permite ver que Kardec estava ali, por inteiro, como intérprete de seu contexto. Mas, sim, você está certo: este curso é de minha lavra pessoal, como cientista social que sou. E não vejo nenhum problema nisso. Se não fosse assim, eu é que estaria submetido a um espírito de sistema: um sistema espírita específico de pensamento, que me impedisse de pensar e formular proposições, que podem ser aceitas ou contraditadas. É assim que se faz em ciência e filosofia, amigo.
A única coisa que talvez me preserve de algum intento de personalismo, Plínio, seja que não tenho qualquer pretensão de direito autoral sobre essas ideias. Eu as exponho publicamente, para que sejam publicamente apropriadas ou contestadas, por quem as julgar uteis, em qualquer sentido. Minha intenção é compartilhar um pensamento crítico, formulando alternativas teóricas que a ciência que eu acesso tornam razoáveis, mas não tenho qualquer intenção de fazer doutrina, até porque não sou militante espírita mais. Ewerton C. Peres
Sobre a afirmação no final da vídeo-aula “PARA DOGMATIZAR KARDEC NOS CONTEÚDOS, É PRECISO NEGÁ-LO NO MÉTODO.” ainda não ficou muito claro para mim este entendimento, poderia explanar um pouco mais sobre isto?
Considero o propósito metodológico de Kardec como mais importante do que os conteúdos que ele trouxe. Mas, a frase que lhes apresento não diz apenas isso, e sim que o método de Kardec não era, de modo nenhum dogmático, ao contrário, é uma postura que aponta para o desenvolvimento do conhecimento espírita, em contínua interação com o desenvolvimento da ciência. É a razão, face a face, em cada uma das épocas da Humanidade. Chamamos até a atenção para o fato de que você não encontrará, nos escritos de Kardec, nenhum texto em que ele assuma o papel de critério de verdade. Se isso for verdadeiro, é lógico pensar que a dogmatização das ideias de Kardec contraria frontalmente o método dele.
Luiz Mokwa, Ribeirão Preto.
Hoje, com toda tecnologia da informação, da facilidade em comunicação entre pessoas e grupos, ainda é difícil reunir grupos de trabalho para desenvolvimento de um objetivo comum. Então me questiono sobre a veracidade das informações de Kardec sobre o número significativo de grupos de apoio espalhados pela Europa e pelo número de médiuns que recebiam as mensagens espirituais. Penso que a não divulgação do nome dos médiuns, bem como os grupos de onde provinham essas mensagens, pode ser facilmente utilizada como motivo de nulidade de toda a teoria formulada por Kardec, tendo em vista que se pode pensar que o que se encontra em suas obras (talvez não tudo, mas boa parte) foram frutos de sua própria lavra e não dos espíritos ou não de muitos espíritos como ele afirma, mas de um número reduzido deles, os quais serviram de base para a fundamentação da doutrina espírita e não como é explicitado por Kardec. Seria correto esse argumento por aqueles que questionam a veracidade das ideias espíritas?
Luiz, confesso que não tenho informações que me permitam duvidar da declaração que Allan Kardec fez, de que correspondia com cerca de mil grupos.
Uma coisa que me chama a atenção foi o sucesso que ele fez na época. O espiritismo praticamente transformou um obscuro professor lionês numa referência mundial para os fenômenos que impressionavam, na época, praticamente toda a Europa e os Estados Unidos. O Livro dos Espíritos virou um best seller, para os padrões da época, com mais de vinte edições. Os historiadores contam hoje que ele, inclusive, se reunia vez por outra com o imperador Napoleão III, no Palácio de Versalhes… E, por fim, em princípio, a julgar pelas biografias escritas sobre ele, a ideia que nos chega é que era uma pessoa muito rigorosa e séria. Não o vejo, portanto, mentindo a respeito de algo tão pouco relevante… mas, você tem todo o direito de duvidar, até que provas documentais eliminem as nossas suposições.
Quanto à interferência dele, fazendo interpolações aos ditados espirituais, parece que isso é certo, ele de fato fez isso. Se o fez dentro do critério de consulta aos espíritos autores ou não, isso nós também não sabemos. Existem alguns registros de que ele era admoestado pelos espíritos para revisões, mas, penso que dificilmente isso foi uma prática para todas as que fez. Até porque ele não se posiciona a respeito. De qualquer forma, ele assinou com seu pseudônimo todos os livros que publicou; de um ponto de vista autoral, ele, portanto, assumiu a responsabilidade final, como autor, por tudo o que editou.

12/06/2021 – via Zoom